"As mulheres aprendem a observar nos outros aquilo a que mais tarde chamam intuição. É uma qualidade quase exclusiva do foro feminino e é por isso que os homens que também a possuem chegam mais longe. A essa capacidade de antecipar a realidade, de ler no olhar uma subtileza, de interpretar a vontade e o medo nas batidas de um coração, os homens chamam-lhe instinto, as mulheres, intuição.
É a intuição que diz a uma mulher que está a gerar uma criança mesmo antes de fazer o teste da gravidez, que indica os caminhos do coração quando a dúvida se instala, que lhe diz quando deve lutar por um homem ou desistir dele. É uma espécie de mapa interior, de guia invisível, de alarme adiantado à inevitabilidade da vida. A estes sinais, dados pelo acaso, por um centésimo de segundo de silêncio ou na troca furtiva de um olhar, é preciso interpretar o que sente e a partir daí perceber o que pode acontecer.
Nunca acreditei em bruxas nem adivinhos, prefiro lê-los nas histórias do que vê-los ao vivo a deitar cartas ou a atirar búzios ao ar, até porque acredito que o futuro é bom exactamente pelo desconhecido que guarda, mas já acertei demasiadas vezes nas previsões que fiz para poder desconsiderar a minha intuição.
O lado mau da involuntária omnisciência é conseguir cada vez menos que a vida me surpreenda, o que faz com que assista, quase de braços cruzados, a mudanças que não quero e nem sempre consigo aceitar. O lado bom é a antecipação de uma nova realidade e o tempo de preparação para enfrentar a tempestade que se avizinha, como fazem os habitantes das cidades por onde passam os furacões, trancando com tábuas a casa e o coração e esperando que passe depressa e provocando os mínimos danos possíveis.
Vejo a intuição como um atributo da alma, um dom guardado entre o coração e a cabeça, para lá da inteligência e da razão. Uma espécie de voz acima da realidade, como um balão a gás quente que consegue ver mais longe do que o olhar alcança, um código de barras que se descodifica a ele próprio, um telescópio da anatomia dos sentimentos, porque tem muito mais a ver com o que se sente do que com o que se pensa, com o que se imagina do que com o que se vê, com o que se teme do que com o que se deseja, sentindo como certo aquilo que o entendimento ainda não captou.
E é por isso que, quando o alarme começa a tocar, primeiro baixinho em tom de aviso, e depois, cada vez mais alto até me ensurdecer com a evidência que se aproxima, respiro fundo para ganhar forças e lembro-me que o futuro não é mais do que a projecção das sombras do meu passado, um lugar cómodo para arrumar os sonhos, no qual a imprevisibilidade e o mistério reinam e onde, talvez e apenas aí, a intuição descanse da sua sabedoria. Prefiro ter o dom da intuição a esperar placidamente pelo desconhecido, mesmo quando o desconhecido me traz todos os sonhos numa bandeja."
Margarida Rebelo Pinto - 2006
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