I
Nem aqui nem ali: em parte alguma.
Não é este ou aquele o meu lugar.
Desço à praia, mergulho as mãos no mar,
mas do mar, nos meus dedos, fica a espuma.
Meu jardim, minha cerca, meu pomar.
Perpassa a Ideia e mói, como verruma.
Falar mas para quê? Só por falar?
Já nada quer dizer coisa nenhuma.
Os instintos à solta, como feras,
e eu a pensar em velhas primaveras,
no antigo sortilégio das palavras.
Agora é tudo igual, prazer e dor,
e a tua sementeira não dá flor,
ó triste solidão que as almas lavras.
II
Tão só!
Cada vez são mais longos os caminhos
que me levam à gente.
(E os pensamentos fechados em gaiolas,
as ideias em jaulas.)
Ah, não fujam de mim!
Não mordo, não arranho.
Direi:
— «Pois não! Ora essa! Tem razão».
Entanto, na gaiola,
cantarão em silêncio
os sonhos, as ideias,
como pássaros mudos.
III
Solidão.
A multidão em volta
e o pensamento à solta
como alado corcel.
E as ideias dispersas, em tropel,
como folhas ao vento
pétalas do Pensamento.
Solidão.
A angústia da Cidade,
a impossível procura da Unidade,
o clamor
do silêncio interior,
mais pungente, estridente,
que os bárbaros ruídos
que ferem, dilaceram
os nervos e os sentidos.
Fernanda de Castro, in "E Eu, Saudosa, Saudosa"
3 comentários:
Assim como damos às pessoas e coisas a importância que nos apetece, sentir solidão, muitas vezes, é por opção...E são vários os motivos para esta escolha...Observe os teus, Carolzita!
Beijo grande grande
Vai um abraço daqui até aí?
;)
Beijoca, Charol
Soltas-me em versos que correm pelas margens de mim, pelas curvas do tempo. Carregas-me a história e serves-me de fonte de lágrimas que se encostam na minha voz. Sabes que no silêncio de ti sou capaz de pintar todos os horizontes. Que a minha pele reflecte sonhos. Os meus dedos intranquilizam o calor de quem aperta contra si a vida. Toda a vida. Encontro-me em mim e nos outros. E tu sabes-me assim, solidão. Perto do poema. Que um dia quero alcançar!
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