terça-feira, 30 de março de 2010

"La donna non è un Playmobile"

"É um erro pensar que nós, homens, nos preocupamos muito com a mulher ideal. Nada de mais falso. A espécie masculina gasta poucas energias em demanda dessa Deusa Infinita. A excepção serão talvez os travestis, que buscam tornar-se na mulher mesma que idealizam, numa gesta que tem tanto de poético e alquímico como de trágico e cómico. Mas, embora seja uma tese interessante a discutir, não me parece que a mulher ideal deva ter pilinha.

A mulher ideal… Essa é boa. Vou tentar responder, ou aproximar-me o mais possível de uma resposta. Primeiro, recorramos ao método científico: que atributos essenciais terá uma mulher de ter para se candidatar ao título de mulher ideal? Vejo quatro:

a) Ser mulher;
b) Pensar como uma mulher;
c) Sentir como uma mulher;
d) Agir como uma mulher.

Estabelecidos estes princípios, e visto que são bons, posso descansar e ver a boa obra? Infelizmente não, falta o mais difícil. Explicar o que se entende por ser, pensar, sentir e agir «como uma mulher».

Aqui vejo-me tentado a professar o que a minha douta cabeça define serem as marcas da feminilidade, mas o tipo de homem que eu sou foi treinado para resistir à tentação. Penso mesmo que aí reside o busílis da mulher ideal: ela é o espelho, o fantasma, do fantasma de homem que cada homem concreto foi treinado para ser. Esse reverso é mais fácil de identificar nos homens que têm uma fixação concreta. Por exemplo, um homem inseguro desejará uma mulher dócil, um sádico, uma masoquista, um pobre uma rica. Felizmente, a maioria das pessoas são mais complicadas do que isto, e podem ter um atributo dominante (a neura, a timidez, a boa disposição) mas não único. Há de tudo no mundo? Pois também há de tudo dentro da cabeça humana.

Imprevisível mas leal, firme mas dulce, apaixonada mas não possessiva, estimulante mas pacífica, teimosa mas humorada, com eles no sítio mas apenas em linguagem figurada – será isto o que eu quero numa mulher? Não, nem por isso. O que eu quero e espero numa mulher é que ela se chame Clara, Efrat, Martha, Ilse, Yoko, Beatrix… Que ela me desperte o interesse por qualidades cuja existência eu desconhecia e me leve a tolerar-lhe fraquezas que eu não seria capaz de aturar.

Mas isso, sei hoje, depende do investimento do homem que diz «eu». O amor é como um casino: uma pessoa recebe sempre na proporção do que apostou. Camões disse: «Transforma-se o amador na cousa amada/por virtude do muito imaginar». É a opinião dele. A minha é mais prosaica: quem quer ver vê; quem não quer ver não vê. A única mulher ideal é a mulher real, escolham uma de entre os três biliões de espécimes que há no planeta – o resto é mau cinema.

Só o conhecimento traz verdadeira felicidade. Aplicar a uma pessoa modelos abstractos e desapontarmo-nos com ela porque não corresponde às nossas expectativas é um dos comportamentos humanos mais patéticos.

De vez em quando, sobretudo em revistas femininas, buscam o homem ideal: e ele tem sempre o corpo do Harrison Ford, o carisma do Sean Connery, o humor do Woody Allen, o cérebro do Einstein e a idade do Leonardo DiCaprio. É caso para dizer, amigos e amigas, essa experiência de conjugar a excelência num só corpo já foi feita e o resultado tem um nome: monstro de Frankenstein.

A idealização da mulher, além de nociva, parece-me não passar de um truque de homens desonestos e nabos para enganar a próxima. Sempre aconselhei as minhas amigas a desconfiarem dos tipos que as endeusam, que lhes chamam «minha rainha», e patacoadas do género. Geralmente, a única coisa que eles querem é tornar-se, eles próprios, reis. Infelizmente, no mundo há mais príncipes encantados a transformarem-se em sapos do que sapos em príncipes encantados.

Pela minha parte, tenho a noção de ter sido privilegiado. Conheci pelo menos mil e três mulheres que perfazem o meu ideal. É que eu gosto de pessoas com defeitos.

(Aliás, agora que ninguém nos ouve, é por isso que gosto de mulheres.)"

by Rui Zink in "Luto pela felicidade dos portugueses - Crónicas Benditas"

1 comentário:

Maria disse...

A última parte era perfeitamente desnecessária. Mas se não estivesse aqui não seria Rui Zink...

:)))

Beijoca